Dirigido por Breno Silveira, Era uma Vez… é mais do que uma história de amor. É uma fábula trágica e realista sobre o Brasil urbano, onde afetos e tiros dividem a mesma esquina. Quando Dé e Nina se apaixonam, o que está em jogo não é apenas o coração de dois jovens — mas o abismo social que insiste em separá-los.
Amor sem fadas: o conto entre o morro e o asfalto
Dé (Thiago Martins) vive no alto do Morro do Cantagalo. Nina (Vitória Frate), nos apartamentos à beira-mar de Ipanema. O encontro entre os dois, ainda que improvável, ocorre de forma sincera — com a cidade como testemunha. O Rio de Janeiro, neste filme, não é cartão-postal, mas campo de tensão: um lugar em que o amor precisa lutar contra olhares tortos, sirenes, fronteiras invisíveis e muito concretas.
A narrativa assume a estrutura clássica do melodrama: um casal apaixonado, obstáculos sociais, e a inevitabilidade do sofrimento. Mas Era uma Vez… não se contenta com o clichê. Ele o usa como estratégia para discutir temas profundos da realidade urbana brasileira: a segregação socioespacial, o racismo implícito, a criminalização da pobreza e a dificuldade de diálogo entre classes.
Entre beijos e balas: quando a cidade fere
Breno Silveira dirige com olhos atentos às contradições: os planos abertos das paisagens cariocas são interrompidos por closes íntimos de afetos juvenis e feridas profundas. A trilha sonora — com destaque para Marcelo D2 — carrega ritmo e lirismo, ajudando a construir a atmosfera entre o sonho e a ruína.
O cotidiano do morro, com sua complexidade, não é romantizado. Tampouco a elite é caricaturada. Há espaço para ambiguidade, mas o filme escolhe um lado: o da empatia com quem vive cercado pela ausência do Estado. A favela não é cenário, é protagonista — e isso faz da história de Dé e Nina uma denúncia embalada em romance.
Crítica social com coração
Apesar de alguns apontarem excesso de melodrama, a força do filme está justamente em usar o sentimento como lente política. O amor entre Dé e Nina simboliza uma possibilidade: a de uma sociedade que ousa enxergar o outro para além da cerca elétrica. Quando essa possibilidade é sufocada pela violência, resta ao espectador refletir sobre o papel do medo, do preconceito e da desigualdade em nossas tragédias diárias.
O desfecho, trágico, não é apenas fatalista. Ele denuncia a naturalização da morte jovem nas periferias e o fracasso coletivo em criar pontes entre realidades que dividem o mesmo CEP.
Um retrato sensível de nossas cidades
Era uma Vez… dialoga diretamente com os grandes centros urbanos do Brasil, onde o amor entre classes não apenas é improvável — é perigoso. Ainda assim, o filme nos convida a imaginar: e se o amor, mesmo frágil, pudesse ser um gesto político? E se um beijo fosse um ato de resistência?
Nesse sentido, o longa se alinha a produções que denunciam a violência simbólica da desigualdade, mas também que apostam na humanidade dos personagens marginalizados. A favela, aqui, não é só cenário de dor — mas também de sonho, afeto e desejo de mudança.
