A minissérie Feud: Bette and Joan (2017), criada por Ryan Murphy, Jaffe Cohen e Michael Zam, é muito mais do que a dramatização do lendário conflito entre duas estrelas do cinema clássico. É uma crítica sofisticada sobre como Hollywood constrói — e destrói — as mulheres que ousam envelhecer diante das câmeras.
Rivalidade encenada, solidão real
Jessica Lange (Joan) e Susan Sarandon (Bette) protagonizam performances que transcendem a imitação e alcançam o simbólico. Lange interpreta Crawford com contenção amarga — orgulhosa, vulnerável e irremediavelmente ciente de sua condição de relíquia viva. Sarandon oferece uma Davis que carrega no rosto e no timbre de voz o cansaço de quem sempre teve que brigar para ser ouvida.
Mas Feud não se contenta em reviver fofocas. Em vez disso, investiga como os estúdios e a imprensa (representada aqui por Judy Davis como a colunista Hedda Hopper) instigaram uma guerra fria entre duas mulheres que, em muitos momentos, tinham mais em comum do que gostariam de admitir. No fim, eram apenas atrizes tentando permanecer relevantes em uma indústria que já decidira abandoná-las.
Glamour, teatralidade e tristeza
A série brilha visualmente. Com direção de arte precisa e figurinos que evocam o auge do cinema clássico, Feud assume o tom de um melodrama teatral, oscilando entre o camp e a melancolia. A abertura estilizada — inspirada nos thrillers psicológicos dos anos 60 — antecipa a ironia contida na narrativa: o palco é glamouroso, mas o espetáculo é cruel.
A tensão entre as protagonistas é tratada com nuances: não há heroína nem vilã, apenas duas mulheres forçadas a competir pelos últimos holofotes disponíveis. O episódio “And the Winner Is…” (sobre o Oscar de 1963) é considerado um dos pontos altos da série — uma aula de direção, ritmo e subtexto, onde o troféu se transforma em metáfora de um sistema que premia não o talento, mas a submissão à imagem ideal.
Narrativa como denúncia
Feud questiona: o que resta para as mulheres após os 40, quando o papel de protagonista lhes é sistematicamente negado? A resposta é dura — solidão, frustração e marginalização. Ao abordar o sexismo com lentes históricas, a série ilumina o presente com clareza desconfortável.
Mais do que uma dramatização de fatos, a produção funciona como uma metáfora expandida da cultura do entretenimento. A rivalidade entre Davis e Crawford é menos pessoal do que institucional. Elas foram forçadas a encarnar arquétipos: a vilã amarga, a diva decadente, a “outra”. Em comum, carregavam o peso de serem mulheres envelhecendo sob um regime estético que valoriza juventude e docilidade.
Reconhecimento e crítica
Aclamada pela crítica (88% no Rotten Tomatoes e 81/100 no Metacritic), Feud recebeu 18 indicações ao Emmy, vencendo em categorias técnicas. Mas seu verdadeiro impacto foi simbólico: trouxe à superfície o debate sobre representatividade de mulheres maduras na mídia, em especial na televisão americana, onde ainda são minoria nos papéis centrais.
Críticos como os da New Yorker e The Atlantic celebraram o tom trágico da série e sua habilidade em converter um velho escândalo em uma elegia sobre os efeitos da fama sob o patriarcado hollywoodiano. Ainda assim, Feud não escapou de controvérsias — Olivia de Havilland, retratada na série, processou a produção por difamação, sem sucesso judicial.
Relevância e legado
A série se insere na agenda cultural de Ryan Murphy de dar visibilidade a histórias esquecidas — ou distorcidas — da história do entretenimento. Com roteiros e direção em grande parte assinados por mulheres, Feud serve como exemplo de televisão de prestígio que combina apelo estético com densidade política.
As discussões levantadas permanecem atuais: o apagamento de atrizes com mais de 40 anos, a glamourização da rivalidade feminina, o peso simbólico da juventude como moeda de troca em carreiras artísticas. Em tempos de crescente debate sobre igualdade de gênero, a série se oferece como um espelho — ainda que emoldurado em veludo vermelho — para refletirmos sobre o custo do sucesso feminino.
