Em Blinded by the Light: O Poder da Música (2019), dirigido por Gurinder Chadha, a vida de um jovem paquistanês nascido na Inglaterra se transforma ao descobrir a música de Bruce Springsteen. Ambientado nos anos 1980, o longa é um retrato vibrante sobre o poder da arte em tempos de intolerância. Entre versos de “Born to Run” e “The Promised Land”, o protagonista encontra não apenas uma voz, mas um caminho para existir num mundo que insiste em silenciar quem é diferente.
A Música Como Despertar
Javed Khan (Viveik Kalra) vive em Luton, uma cidade inglesa industrial e marcada pelo desemprego e pela xenofobia. Filho de imigrantes paquistaneses, ele tenta equilibrar o peso das tradições familiares com o desejo de ser escritor. A vida segue cinzenta até o dia em que seu amigo Roops lhe entrega uma fita de Bruce Springsteen — e tudo muda.
As letras do cantor norte-americano, cheias de revolta, liberdade e poesia da classe trabalhadora, ecoam em Javed como um grito interno. “As palavras dele são o que eu nunca consegui dizer”, confessa. É nesse ponto que o filme encontra seu tom: a arte como tradução do indizível, como voz de quem vive à margem.
Entre o Vento e as Correntes
O filme trabalha o vento como símbolo recorrente: ele sopra nas ruas, nas janelas e na alma de Javed. Representa o chamado para sair de casa, para fugir das estruturas que o prendem. Mas esse movimento de liberdade encontra resistência — principalmente na figura do pai, Malik Khan (Kulvinder Ghir), que acredita no trabalho duro, na honra e na tradição.
O conflito entre pai e filho é o coração do filme. Malik teme perder o filho para o “Ocidente”, enquanto Javed teme nunca poder ser ele mesmo. Essa tensão entre o velho e o novo, entre dever e desejo, traduz a luta universal de quem tenta existir entre mundos. E é justamente nesse espaço de conflito que nasce a arte.
A Escrita, a Fé e a Revolução Interior
Com incentivo da professora Sra. Clay (Hayley Atwell), Javed começa a escrever — não mais para agradar, mas para se libertar. A música de Springsteen lhe ensina que ser artista é um ato de coragem: é gritar o próprio nome quando todos querem que você se cale.
O filme transforma esse aprendizado em imagens poéticas: as letras das músicas aparecem projetadas nas paredes, nas ruas, nos cadernos. É como se o mundo começasse a cantar junto.
A escrita, para Javed, é a ponte entre fé e identidade. Ele não renega suas raízes, mas aprende a enxergá-las com orgulho. E é essa reconciliação entre o que se é e o que se sonha que o torna livre.
Identidade, Racismo e Esperança
Ambientado num contexto político tenso, o filme não esconde a hostilidade da Inglaterra dos anos 80 — um país dividido pelo desemprego e pelo crescimento do nacionalismo. Javed e sua família enfrentam insultos, ameaças e exclusão. No entanto, a diretora Gurinder Chadha escolhe narrar essa dor com leveza e humor, mostrando que a resistência também pode ser luminosa.
Ao som de “Thunder Road” e “Dancing in the Dark”, Blinded by the Light constrói uma mensagem poderosa: a de que a cultura é a ponte entre os povos. Quando Javed canta e escreve, ele não está apenas falando de si — está afirmando que o espírito humano é maior que qualquer fronteira.
Estilo e Linguagem Visual
A direção de Chadha combina realismo social e fantasia musical. A fotografia quente e saturada captura a energia dos anos 1980, enquanto as sequências musicais transformam ruas comuns em palcos de libertação. É cinema de alma jovem, mas com a maturidade de quem entende o poder simbólico da arte.
O filme equilibra humor e emoção com precisão. Há cenas de musicalização espontânea, mas nenhuma delas soa forçada — são extensões do sentimento, do que Javed não pode dizer em voz alta. E cada canção de Springsteen surge como um ato de fé, quase uma prece laica à liberdade.
Ecos Contemporâneos
Blinded by the Light continua atual porque fala de empatia, diversidade e pertencimento. A jornada de Javed é a de milhões que buscam o próprio lugar em um mundo ainda marcado por muros invisíveis. O filme sugere que o verdadeiro poder transformador está na escuta — na capacidade de compreender o outro através da arte.
Ao mesmo tempo, propõe uma reflexão sobre juventude e propósito. Não se trata apenas de seguir um sonho, mas de descobrir quem se é no processo. O trabalho sem paixão é prisão; a arte, libertação.
