Às vezes, a sinfonia mais poderosa nasce quando o passado ecoa no presente. A frase que poderia sintetizar uma filosofia de vida, aqui se transforma na âncora de uma série documental que transcende o fazer musical. Voices Rising: A Música de Wakanda Forever (2023), disponível no Disney+, revela como a trilha sonora de Black Panther: Wakanda Forever é, na verdade, uma declaração de identidade, resistência e conexão global.
Quando o Som é Herança Viva
Ao longo de três episódios, a produção acompanha o premiado compositor Ludwig Göransson e o diretor Ryan Coogler numa jornada que vai muito além dos estúdios. Entre Lagos, na Nigéria, sítios arqueológicos no México e as lendárias salas do Abbey Road Studios, em Londres, o documentário revela um processo criativo onde cada acorde é tecido com história, ancestralidade e inovação.
Na primeira etapa, intitulada “Nigeria: Past Is Present”, o espectador é levado ao coração da música africana, onde ritmos pulsantes e vozes tradicionais ecoam não apenas como trilha, mas como memória viva de um continente que segue inspirando gerações. Göransson mergulha em comunidades locais, interagindo diretamente com músicos e mestres culturais, num processo que não é apenas técnico, mas profundamente humano.
Fronteiras Que Se Dissolvem em Som
O segundo episódio, “Mexico: Con La Brisa”, amplia ainda mais esse diálogo intercultural. Aqui, a busca é por elementos sonoros que traduzam a essência do personagem Namor, introduzindo ao universo cinematográfico a herança maia. Instrumentos ancestrais, como o death whistle e a concha, são ressignificados em estúdios contemporâneos. Cada nota carrega não apenas estética, mas também significado espiritual e social.
A escolha de gravar diretamente em Tulum e na Cidade do México não é mero recurso visual. É um compromisso com a autenticidade. O documentário permite observar como tradição e tecnologia podem coexistir, demonstrando que inovação não se faz apagando o passado, mas sim amplificando suas vozes.
Da Tradição à Eternidade: A Mixagem Final
O arco final, “London: Bring It Home”, leva o público aos bastidores de uma das casas mais icônicas da música mundial, o Abbey Road Studios. Ali, vozes e sons coletados em diferentes pontos do planeta se encontram, se harmonizam e ganham corpo na trilha de Wakanda Forever. A montagem sonora deixa evidente que essa não é apenas uma trilha de apoio ao filme, mas uma narrativa paralela, que fala de pertencimento, resistência e esperança.
A câmera, sempre inquieta e próxima dos artistas, captura não apenas os momentos de criação, mas também os silêncios, os olhares e as dúvidas que fazem parte de qualquer construção coletiva. É nesse espaço que se percebe o quanto a música tem o poder de derrubar muros e construir pontes — culturais, geográficas e emocionais.
Mais do que Som, Uma Declaração de Mundo
Voices Rising não é apenas um making of. É um manifesto audiovisual sobre como a arte pode — e deve — ser ferramenta de valorização de saberes diversos. A série, filmada no estilo cinéma vérité, rompe a lógica industrial que muitas vezes padroniza produções globais e oferece ao espectador uma rara oportunidade de enxergar o mundo pelos ouvidos.
Ao colocar em primeiro plano vozes, sons e tradições de territórios historicamente sub-representados, a obra também provoca reflexões sobre equidade, acesso e representatividade. Mostra, de forma sensível, que o conhecimento não está restrito às grandes academias ou centros urbanos, mas pulsa em aldeias, mercados, praias e comunidades que fazem da cultura sua maior herança.
Uma Sinfonia de Parcerias e Esperança
No pano de fundo, Voices Rising também é um lembrete de que parcerias verdadeiras são aquelas que se constroem com escuta, respeito e troca. E essa filosofia se reflete não só na música de Wakanda Forever, mas também na maneira como o documentário foi pensado e executado.
Ao final, fica claro que a trilha sonora desse filme é muito mais que um elemento estético. É uma linguagem que ultrapassa fronteiras, gera empatia e celebra o que há de mais poderoso na humanidade: sua diversidade.
