Trust, novo thriller psicológico dirigido por Carlson Young, transforma o isolamento em espelho e a fama em prisão. Estrelado por Sophie Turner, o longa acompanha uma atriz em queda livre após um escândalo, forçada a enfrentar os fantasmas da confiança e da exposição em uma cabana onde nada é realmente privado. Com atmosfera sufocante e estética elegante, o filme oscila entre paranoia e introspecção, revelando que a verdadeira ameaça raramente vem de fora — mas das relações que insistimos em acreditar seguras.
O jogo da confiança
O próprio título do filme, Trust, já entrega o seu dilema central: confiar é um ato perigoso. Lauren Lane (Sophie Turner) vive o colapso de quem foi construída pela imagem — uma atriz que domina a cena, mas perde o controle sobre a própria vida. Quando o escândalo explode e a opinião pública se volta contra ela, Lauren foge, acreditando que o isolamento trará redenção. No entanto, o refúgio logo se revela um labirinto emocional, onde a confiança se torna uma moeda falsificada.
O roteiro de Gigi Levangie brinca com essa dualidade entre crença e manipulação. Cada personagem — do misterioso Darren (Rhys Coiro) ao ambíguo Peter (Billy Campbell) — representa um tipo de ameaça disfarçada de proximidade. O que deveria ser um reencontro com a paz se transforma em uma sucessão de dúvidas: quem está protegendo quem? E até que ponto o medo de ser traída não transforma Lauren na sua própria vilã?
Fama, privacidade e o culto ao olhar
Carlson Young filma o estrelato como uma forma moderna de vigilância. A câmera, muitas vezes fixa em planos longos e silenciosos, reproduz a sensação de ser observada mesmo na solidão. Lauren é vítima e cúmplice da própria exposição — o olhar público que a consome também foi o que a manteve viva. O isolamento, portanto, não é fuga: é o confronto final com o que resta quando os holofotes se apagam.
Há um comentário social claro, embora sutil, sobre o esgotamento emocional das figuras públicas. O filme questiona a cultura da vigilância e a confusão entre intimidade e espetáculo. Em tempos de redes e cancelamentos, Trust fala sobre a perda do direito ao erro — e sobre como a verdade se torna irrelevante diante de uma narrativa que viraliza primeiro.
Vulnerabilidade e poder
A força do longa reside na performance de Sophie Turner, que encarna Lauren com uma mistura de rigidez e colapso. Sua personagem é, ao mesmo tempo, prisioneira e carcereira — de sua fama, de suas decisões, de seu próprio silêncio. Turner transforma o medo em matéria palpável, especialmente nas cenas em que o som do ambiente se confunde com ruídos da mente.
Esse jogo entre vulnerabilidade e poder também se reflete na construção visual. O diretor de fotografia Alejandro Martínez utiliza paletas frias e sombras cerradas para retratar a solidão, enquanto tons quentes invadem o quadro nos raros momentos de confiança. É uma linguagem que revela o contraste entre o que é mostrado e o que é sentido, sugerindo que a emoção humana ainda escapa ao controle da lente — e talvez seja essa a última liberdade possível.
Fragmentos e ruídos narrativos
Apesar da atmosfera envolvente, Trust peca na execução. A montagem de Louis Cioffi alterna ritmos de forma irregular, e algumas subtramas parecem dissolver-se sem conclusão. A crítica foi unânime em apontar que o filme tenta abraçar mais do que consegue: há momentos em que parece assistir a três histórias distintas, cada uma buscando um tom próprio.
No entanto, essa desorganização também pode ser lida como reflexo da mente fragmentada da protagonista — uma narrativa espelhada em colapso. Mesmo confuso, o filme encontra respiro em sua tensão constante, sustentada quase inteiramente pela presença magnética de Turner. Ela transforma o roteiro disperso em algo visceral, como se a própria desordem fosse parte do trauma que a personagem vive.
O abismo entre imagem e essência
No fundo, Trust é menos um suspense e mais uma confissão filmada. É sobre a impossibilidade de ser autêntico quando todos observam, sobre o medo de ser esquecido e o terror de ser lembrado pelas razões erradas. A cabana onde Lauren se esconde funciona como metáfora do eu contemporâneo: cercado de paredes, mas totalmente exposto.
A mensagem final é amarga e necessária. Em um mundo que premia aparências e transforma vulnerabilidade em espetáculo, a confiança se torna um risco — e a verdade, um luxo. O filme termina sem respostas, apenas com o eco de uma pergunta que nos persegue fora da tela: o que ainda é real quando tudo pode ser registrado, editado e vendido?
Reflexos de um tempo em crise
Sem citar causas sociais diretamente, Trust dialoga com as tensões do presente — o colapso da privacidade, a ansiedade de viver sob julgamento constante e a dificuldade de manter laços humanos em meio à desconfiança generalizada. É um thriller sobre fama, mas também sobre nós: sobre o que escolhemos mostrar e o que deixamos morrer em silêncio.
Carlson Young entrega um filme que, mesmo imperfeito, compreende o espírito de uma geração que vive conectada e solitária. E talvez seja essa a maior ironia de Trust: ao tentar escapar do olhar do mundo, Lauren descobre que nunca esteve tão exposta — porque o verdadeiro inimigo não é quem a observa, mas o medo de olhar para si mesma.
