No tribunal, cada palavra pode salvar ou condenar uma vida — mas The Practice mostrou que, fora dele, o preço da defesa pode ser ainda mais alto. Criada por David E. Kelley, a série acompanhou o escritório de Bobby Donnell em Boston, revelando não apenas os meandros do sistema judicial americano, mas também os dilemas morais que corroem advogados quando a lei e a consciência entram em choque.
Justiça ou moralidade?
O coração da série está na pergunta que persegue seus personagens: até onde um advogado pode ir para defender um cliente? Casos de assassinato, abuso policial, discriminação e corrupção colocam em jogo não apenas a habilidade jurídica, mas também o peso ético de cada decisão.
Ao contrário de muitos dramas jurídicos que se apoiam no glamour da profissão, The Practice expõe a rotina dura e incômoda da defesa criminal. A série mostra que a lei é um campo minado onde idealismo e pragmatismo raramente andam de mãos dadas.
O tribunal como arena de dilemas humanos
Cada episódio mistura o procedural jurídico clássico — com casos semanais — a arcos narrativos mais longos, explorando como o trabalho afeta os advogados fora do tribunal. Jimmy Berluti, por exemplo, é o eterno subestimado que luta para ser respeitado; Ellenor Frutt enfrenta o machismo e o peso da solidão; Eugene Young equilibra pragmatismo e ética.
Esse enfoque humano dá à série um realismo cru: advogados erram, se contradizem, sofrem. O espectador acompanha não apenas a aplicação da lei, mas também suas falhas, fissuras e injustiças.
De Bobby Donnell a Alan Shore: evolução e legado
Durante boa parte da série, Dylan McDermott lidera como Bobby Donnell, advogado idealista que vê seu escritório crescer enquanto seus princípios se desgastam. Mas é nas temporadas finais que James Spader e William Shatner roubam a cena como Alan Shore e Denny Crane, personagens que se tornariam a espinha dorsal do spin-off Boston Legal.
Essas transições mostram como The Practice não era apenas um drama de tribunal, mas um laboratório narrativo sobre o direito — capaz de gerar personagens icônicos e debates que atravessaram gerações.
O impacto na TV dos anos 1990
Exibida entre 1997 e 2004, The Practice ganhou dois Emmys de Melhor Série Dramática e consolidou David E. Kelley como mestre dos dramas jurídicos. Sua força estava na coragem de tratar casos com complexidade moral, sem respostas fáceis — algo que ressoou em um período em que o público buscava tramas mais adultas e desafiadoras.
O spin-off Boston Legal herdaria parte desse DNA, mas com um tom mais satírico. Já The Practice permanece como registro de uma era em que o drama jurídico ousava ser desconfortável, refletindo desigualdades e falhas institucionais de frente.
Entre lei e humanidade
Ao relacionar crimes e dilemas morais a questões sociais como desigualdade, discriminação e corrupção, a série dialoga diretamente com temas atuais e com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável — especialmente os ligados a justiça, instituições eficazes e redução de desigualdades.
No fim, The Practice lembra que advogar não é apenas dominar códigos e precedentes, mas também carregar no íntimo o peso de cada decisão. Defender a justiça, afinal, nem sempre é o mesmo que defender a verdade.
