Criada por Brit Marling e Zal Batmanglij, The OA foi uma das experiências mais ousadas e espirituais da televisão contemporânea. Em duas temporadas, a série combinou ficção científica e lirismo existencial para abordar dimensões paralelas, experiências de quase-morte e curas que acontecem na escuta coletiva — até ser interrompida pela Netflix, deixando um vazio (e um culto) no streaming.
Entre a ciência e a fé: o invisível em foco
The OA parte de um retorno misterioso: Prairie Johnson (Brit Marling), uma jovem cega desaparecida há anos, ressurge enxergando — e se declarando “OA”, a “Anjo Original”. A série, no entanto, não quer provar nada. Ao invés disso, nos convida a questionar: e se a realidade for mais fluida do que supomos? E se o corpo também for linguagem? E se a morte for apenas uma transição?
Explorando vivências de quase-morte, buracos na lógica cartesiana e um certo lirismo quântico, a série costura narrativas paralelas com suavidade. As experiências contadas por OA a um grupo de jovens marginalizados — entre eles um imigrante, uma garota trans e um traficante escolar — não pedem crédito: pedem escuta.
Corpo, dor e comunidade
Muito além do sci-fi, The OA é uma narrativa sobre trauma e reconexão. Cada personagem traz sua dor, sua solidão, seus vazios. A comunhão se dá na partilha — e nos “movimentos”, as danças ritualísticas que se tornam ferramenta de cura, de passagem e, em última instância, de rebelião espiritual.
O grupo de cinco ouvintes (e praticantes) se transforma em algo raro: uma comunidade terapêutica, ritualística, sensível ao invisível. O que poderia parecer absurdo — coreografias como portais dimensionais — se torna poético e necessário. Não se trata de crer, mas de sentir.
Estética da ruptura
Visualmente, The OA rompe padrões. Seus planos longos, sua fotografia onírica e a trilha etérea evocam uma experiência meditativa. A estrutura narrativa ignora fórmulas: episódios variam em ritmo e duração, e a quebra da quarta parede no final da segunda temporada é um salto ousado que funde ficção e metalinguagem. A protagonista passa a viver em uma realidade onde The OA é… uma série — um loop criativo que desafia o próprio ato de assistir.
O cancelamento abrupto, mesmo com críticas positivas crescentes (92% de aprovação na segunda temporada, segundo o Rotten Tomatoes), gerou comoção global. A campanha #SaveTheOA mobilizou desde fóruns até protestos performáticos, com fãs imitando os movimentos da série em locais públicos. Uma reação raramente vista diante de um produto cultural — o que diz muito sobre o que The OA despertou.
Originalidade é resistência
A série escapa de classificações fáceis. Não é só ficção científica, nem apenas drama ou arte conceitual. É uma experiência liminar, que aposta na empatia como forma de conexão entre mundos — internos e externos. Coloca no centro da narrativa personagens historicamente à margem e ressignifica corpos como pontes.
Mais do que entretenimento, The OA propõe um modelo alternativo de criação: um híbrido entre performance, espiritualidade e audiovisual. Algo que, para o grande mercado, pode ter sido arriscado demais. Mas para quem assistiu, tornou-se inesquecível.
The OA não é uma série para ser “entendida” — é para ser sentida. Com coragem estética e profundidade emocional, tocou em temas que raramente recebem atenção no mainstream: o poder curativo da escuta, o valor das subjetividades desviantes e a possibilidade de que o amor, mais do que qualquer teoria, seja o verdadeiro motor das passagens. No fim, a série não se encerrou — apenas se moveu para outra dimensão.
