A série Stick, lançada em junho de 2025 pela Apple TV+, acompanha a jornada de Pryce Cahill, interpretado por Owen Wilson, um ex-jogador de golfe marcado por fracassos pessoais, que redescobre o sentido da vida ao treinar Santi, um jovem talento promissor. Com equilíbrio entre leveza, drama e crítica social sutil, a produção navegou por temas como legado, reconciliação e transformação emocional através do esporte.
Redenção entre tacos e afetos
Stick não é apenas sobre golfe — é sobre recomeçar onde tudo parecia perdido. A trajetória de Pryce Cahill, que passa de vendedor de tacos a mentor de um jovem tímido e brilhante, revela um homem despedaçado tentando se reconstruir pelas mãos do outro. A série escapa de clichês esportivos ao focar na intimidade das relações, em como feridas emocionais podem ser tratadas com escuta, confiança e presença.
A dinâmica entre Pryce e Santi se desenvolve como uma ponte entre gerações e dores distintas. O esporte surge como metáfora de superação, mas é no vínculo humano que reside a verdadeira transformação. Ao mesmo tempo que ensina técnicas, Pryce aprende a reaprender a viver — entre derrotas passadas e a possibilidade de um futuro mais gentil.
Mentoria que transcende o jogo
O arco de mentoria central de Stick é conduzido com autenticidade e humor. A série constrói sua narrativa em torno da ideia de que ensinar pode ser o caminho mais direto para curar. Ao se dedicar ao jovem Santi, Pryce começa a reencontrar seu valor em uma sociedade que o descartou. Em meio a circuitos de golfe, estradas secundárias e paisagens abertas, o que se constrói é uma jornada de escuta mútua e confiança delicada.
Esse movimento de troca — onde o mais velho não apenas guia, mas também se deixa guiar — reforça a importância de relações horizontais, mesmo em ambientes competitivos. Santi, por sua vez, precisa aprender a confiar em sua intuição, vencer suas inseguranças e lidar com a pressão de um talento que muitos querem explorar, mas poucos querem cuidar.
Família, ausência e reconciliação
Com uma narrativa delicada, Stick também é uma série sobre família — não apenas de sangue, mas de escolha. A relação entre Santi e sua mãe Elena é marcada por silêncios, mas carrega o peso de quem busca proteger sem sufocar. Já Pryce carrega culpas não ditas por distanciamentos e escolhas que o afastaram de seus entes, e vê em Santi uma forma de reparar essas ausências.
O roteiro articula essas fraturas afetivas sem sensacionalismo, permitindo que o espectador perceba como a reconciliação, muitas vezes, passa pela coragem de se vulnerabilizar. O reencontro de Pryce com antigas amizades, como o excêntrico caddie Mitts, traz à tona lembranças de quem ele foi e do que ainda pode se tornar.
Esporte como cura, não como vitória
Embora o cenário do golfe esteja presente em todos os episódios, Stick não se preocupa com resultados esportivos, rankings ou troféus. A proposta da série é explorar como o esporte pode funcionar como um canal de autoconhecimento e pertencimento — especialmente para aqueles que sentem que não têm mais espaço.
Em um momento em que a saúde mental e o bem-estar emocional ganham novas camadas de debate, Stick acerta ao representar a vulnerabilidade de seus personagens com leveza e sensibilidade. A série convida o público a refletir sobre como ambientes competitivos podem, sim, ser espaços de escuta, apoio e reinvenção — se conduzidos com empatia e humanidade.
Humor, emoção e humanidade
Owen Wilson brilha como Pryce, entregando uma performance que equilibra melancolia e comicidade com precisão. Seu carisma natural serve como contraponto aos momentos mais densos da série, criando uma atmosfera que remete ao espírito de produções como Ted Lasso, mas com identidade própria. A química com Peter Dager, que interpreta Santi, é o coração da série: contida, respeitosa e profundamente real.
A direção de Jason Keller aposta em cenas contemplativas, trilhas suaves e uma fotografia solar, que reforça o clima de “road trip emocional” vivido pelos personagens. O humor surge de forma orgânica, costurando os episódios sem quebrar o tom dramático, e permitindo que os personagens respirem suas dores sem cair em autopiedade.
Relevância e impacto cultural
Stick é uma série sutil em suas intenções, mas potente em suas implicações. Ao retratar o poder da mentoria, da escuta e do apoio mútuo, a narrativa fala sobre como transformar desigualdades simbólicas — como o medo de falhar, a exclusão emocional e o desprezo social — em possibilidades de florescimento.
Ao apresentar personagens que precisam se reinventar num cenário em constante movimento, a série toca em pontos críticos da nossa sociedade: como oferecer oportunidades reais de crescimento, como enxergar talento para além do desempenho e como criar redes de afeto em espaços onde, antes, havia apenas cobrança e solidão.
Uma tacada no coração
No fim, Stick nos lembra que algumas das maiores vitórias não envolvem troféus. Elas nascem dos vínculos construídos no caminho — nas conversas ao pé da van, nos treinos silenciosos, nos abraços tímidos entre rounds. A série nos convida a olhar para as trajetórias humanas com mais atenção e menos julgamento.
Em tempos de instabilidade emocional, polarização e pressões silenciosas, Stick é um respiro. Uma história que não grita, mas ecoa. Que não impõe respostas, mas propõe perguntas sobre cuidado, escuta e recomeço. E, talvez, nos lembre de que ajudar alguém a encontrar seu jogo pode ser o primeiro passo para redescobrirmos o nosso.
