Uma jornada onde canções, vícios, amor e aceitação dançam lado a lado. Rocketman transcende a cinebiografia comum e transforma memórias em espetáculo.
Memória e Fantasia: Quando a Vida Vira Musical
Diferente das cinebiografias tradicionais, Rocketman aposta numa estética de musical fantasioso para narrar a trajetória de Elton John. As músicas não surgem como simples trilha sonora: elas atravessam o tempo e o espaço, costurando lembranças e emoções num fluxo não linear. A escolha de tratar a narrativa como confissão íntima, partindo de um grupo de reabilitação, transforma o musical em um espaço terapêutico e libertador.
As sequências musicais, exuberantes e surreais, não buscam reproduzir eventos cronológicos com precisão, mas sim capturar o impacto emocional de cada fase da vida de Elton. Esse formato permite que o público vivencie os altos e baixos da fama sob o olhar subjetivo do artista, numa dança entre o real e o imaginado que amplia a potência simbólica da história.
Uma Performance que Ilumina: Taron Egerton no Centro da Cena
Taron Egerton entrega uma performance visceral, interpretando Elton John com entrega física e vocal surpreendente. Egerton não apenas imita o cantor — ele o habita, dançando, cantando e sangrando em cena, num compromisso artístico que confere autenticidade à obra. Foi essa entrega que garantiu ao ator o Globo de Ouro e o reconhecimento da crítica especializada.
A relação de Egerton com os números musicais é orgânica: suas interpretações reforçam a densidade emocional das cenas e mantêm o espectador conectado à espiral de euforia e dor que define a trajetória de Elton. Em um gênero que muitas vezes opta por priorizar o espetáculo, Rocketman encontra equilíbrio entre grandiosidade visual e verdade emocional.
Sexualidade, Vícios e a Busca por Aceitação
O filme rompe barreiras ao exibir, sem censura, a sexualidade de Elton John e suas relações afetivas com homens, incluindo a química intensa com o empresário John Reid. Rocketman foi pioneiro ao trazer para o centro da tela a cena de sexo gay em uma grande produção de Hollywood, oferecendo visibilidade rara para personagens queer em blockbusters musicais.
Além da sexualidade, o longa mergulha nas crises que atravessaram a vida do artista: abuso de substâncias, solidão e baixa autoestima. O retrato da decadência emocional não é suavizado e abre espaço para reflexões sobre os danos de uma indústria que, por vezes, consome seus ídolos. O caminho da autodestruição é, aqui, também o caminho da reconstrução.
A Força da Amizade e o Poder da Música
A relação entre Elton John e Bernie Taupin, seu letrista e amigo de longa data, sustenta uma das colunas mais humanas do filme. Apesar de o roteiro explorar essa conexão com certa superficialidade, a presença de Bernie como ponto de equilíbrio emocional é vital. É por meio dessa amizade que Elton encontra apoio para enfrentar seus traumas e redescobrir seu valor.
A música, como extensão dessa amizade, funciona como uma ponte para a cura. Canções como “Your Song” e “I’m Still Standing” não são apenas sucessos — tornam-se capítulos da jornada de superação, marcos de uma identidade reconstruída. A arte, nesse contexto, surge como ferramenta de resistência e celebração.
Entre o Brilho e a Dor: Uma História de Reconciliação
Rocketman não esconde as feridas, mas também não se permite afundar nelas. Ao final, o musical conduz o espectador a uma catarse de aceitação, com Elton assumindo publicamente suas fragilidades e conquistas. O tom de reconciliação se reflete na escolha de encerrar com “(I’m Gonna) Love Me Again”, reafirmando que a maior vitória é o amor-próprio.
A escolha por uma estética vibrante, com figurinos extravagantes e sequências oníricas, é mais do que um estilo: é uma afirmação. Elton John não apenas sobreviveu ao estrelato — ele reivindicou sua história e a contou com todas as suas cores. O resultado é um filme que abraça o kitsch, mas se mantém profundamente humano.
Um Ícone Queer no Palco Global
Lançado em um período onde cinebiografias musicais ganhavam novo fôlego, Rocketman se destaca por não diluir os elementos queer da trajetória de Elton John. Ao contrário de outros títulos que suavizam complexidades para agradar o mercado, o filme celebra a diversidade e contribui para ampliar a visibilidade LGBTQ+ nas telas.
Essa honestidade reverbera para além do entretenimento, tocando questões sociais e culturais sobre pertencimento, saúde mental e combate ao preconceito. Ao tornar visível o que tantas vezes foi silenciado, Rocketman reafirma que a arte pode ser um ato político e uma ponte para sociedades mais inclusivas. E, como Elton John nos lembra, sempre é tempo de se amar de novo.
