Pepsi, Cadê Meu Avião? (2022) recupera uma das histórias mais absurdas da publicidade dos anos 1990. John Leonard, um jovem estudante, interpretou literalmente uma campanha da Pepsi que prometia prêmios em troca de pontos acumulados, entre eles um jato militar Harrier. Com o apoio do investidor Todd Hoffman, ele decidiu levar a promessa ao pé da letra e exigir o que considerava ser seu direito.
O documentário acompanha os desdobramentos dessa ousadia, misturando entrevistas atuais, imagens de arquivo e uma estética leve, que aproxima a narrativa de uma comédia. Ao mesmo tempo, revela o choque entre a imaginação de um consumidor e a defesa corporativa de uma multinacional, trazendo à tona um verdadeiro embate de “David contra Golias”.
Publicidade, consumo e exageros dos anos 1990
A série é também um retrato de uma época marcada pelo consumismo desmedido e pelo marketing ousado. Nos anos 1990, grandes marcas competiam pela atenção do público com campanhas cada vez mais extravagantes, em que o exagero era parte da fórmula. O caso Leonard expõe os riscos dessa lógica: até onde uma promessa publicitária pode ir sem se tornar enganosa?
Entre a literalidade de um jovem determinado e a justificativa da Pepsi de que tudo não passava de uma piada, surge a reflexão sobre responsabilidade. A peça publicitária pode até ser divertida, mas quando flerta com a credulidade do consumidor, abre espaço para disputas sérias e consequências inesperadas.
Entre a comédia e a crítica social
Embora tenha um tom leve e nostálgico, o documentário levanta questionamentos profundos. De um lado, há o riso provocado pela ideia de um estudante exigir um caça militar como prêmio. De outro, existe a tensão real de um processo que mobilizou advogados, especialistas em marketing e executivos de alto escalão.
Esse contraste transforma a série em algo mais do que um entretenimento curioso: ela revela a fragilidade da confiança entre marcas e consumidores. A publicidade, ao mesmo tempo que cria sonhos e desejos, também pode manipular, distorcer e brincar com expectativas — e o limite entre humor e engano raramente é claro.
Reflexos culturais e institucionais
O impacto do caso não ficou restrito aos tribunais. Ele se tornou parte da cultura pop, viralizou nas redes sociais e reacendeu debates sobre ética no marketing. Ao transformar um episódio pontual em série documental, a Netflix reforça como pequenas histórias podem se desdobrar em símbolos culturais maiores.
Além da diversão, há uma camada crítica: consumidores comuns enfrentando corporações globais revelam tensões entre desigualdade, poder e acesso à justiça. O que começa como uma piada termina como metáfora de uma relação desequilibrada, onde a balança da verdade e da lei nem sempre é fácil de equilibrar.
Uma linha tênue entre criatividade e manipulação
No fim das contas, Pepsi, Cadê Meu Avião? mostra como uma campanha publicitária que parecia inofensiva acabou se tornando um campo de batalha. A série brinca com a nostalgia dos anos 1990, mas alerta para algo atual: a necessidade de pensar de forma crítica diante das mensagens que consumimos diariamente.
Entre a ironia e a seriedade, fica a lição de que criatividade no marketing tem limites — e que atravessá-los pode custar caro. Afinal, uma simples piada publicitária foi suficiente para transformar a Pepsi em ré de um dos julgamentos mais insólitos da história contemporânea.