Filmado durante cinco anos, o longa acompanha a trajetória real de Waad — jornalista e documentarista — que decide permanecer na cidade sitiada para registrar o horror da guerra civil síria e apoiar o trabalho humanitário do marido, o médico Hamza Al-Kateab.
A narrativa é construída como uma carta íntima para sua filha recém-nascida, Sama, que veio ao mundo em meio a bombardeios e caos. Cada imagem é um grito silencioso de amor e medo. O filme, assim, não apenas relata uma guerra: ele a sente, a toca, a vive — e a transforma em memória, para que o esquecimento nunca vença o testemunho.
O olhar feminino em meio à destruição
A força de Para Sama está no olhar de Waad. Em vez de uma lente distante e objetiva, o filme oferece uma câmera de mão, tremida e humana — um olhar que ama o que filma, mesmo quando o mundo ao redor se desfaz. É o olhar de uma mulher que não foge, que escolhe registrar, cuidar e resistir ao mesmo tempo.
Essa perspectiva feminina dá ao documentário uma profundidade rara: a maternidade como ato político e a ternura como forma de resistência. Waad transforma o lar em trincheira e o nascimento em protesto. A guerra, vista por ela, não é apenas destruição — é também a luta diária para preservar o afeto e a dignidade.
Entre o horror e a esperança
O hospital de Hamza, cenário constante do filme, torna-se um símbolo da vida que insiste em permanecer. Cada cirurgia, cada parto e cada sobrevivente são vitórias contra o absurdo. A câmera de Waad não poupa o espectador das cenas mais dolorosas, mas também revela gestos simples de compaixão, risadas, brincadeiras infantis — lampejos de humanidade no escuro.
O contraste entre amor e guerra, entre nascimento e morte, é o coração de Para Sama. O que poderia ser apenas um registro do horror se transforma em algo mais íntimo e universal: um lembrete de que, mesmo quando tudo é tomado, o amor ainda resta — e é ele que dá sentido à luta.
Memória, ética e resistência
Waad Al-Kateab não filma para chocar, mas para lembrar. Seu documentário se inscreve na tradição dos grandes registros de guerra, mas com uma diferença essencial: ele nasce do interior da tragédia, não de fora dela. Não é o olhar de uma repórter estrangeira, mas o de quem vive, sofre e ainda escolhe acreditar.
Ao registrar sua vida e a de sua filha, Waad transforma o ato de filmar em um gesto de resistência moral. Sua câmera é também um escudo — contra a omissão, contra o esquecimento, contra a indiferença. Para Sama é uma denúncia, mas também um testamento: o de que contar é, em si, um ato de sobrevivência.
O amor como forma de política
Entre tantos filmes de guerra, poucos conseguem ser tão profundamente humanos. Para Sama mostra que, às vezes, a maior coragem não está em lutar, mas em continuar amando. Waad e Hamza personificam a ideia de que a esperança é revolucionária — e que cuidar do outro, em tempos de destruição, é a forma mais radical de resistência.
A maternidade aqui transcende o instinto: torna-se ética, compromisso e fé. Sama, a criança que dá nome ao filme, é o símbolo de um futuro possível — o milagre de nascer onde nada mais floresce. É como se o amor dissesse à guerra: “ainda estamos aqui”.
