Antes que os Estados Unidos pudessem conquistar o espaço, foi preciso vencer o medo — e a política. Em Os Eleitos (2020), adaptação do clássico livro de Tom Wolfe, o público acompanha os primeiros astronautas da NASA — os lendários Mercury Seven — em uma história que mistura ambição, glória e vulnerabilidade. Produzida por Leonardo DiCaprio e exibida pelo Disney+, a série revisita o nascimento da era espacial como um drama sobre pessoas reais presas entre o sonho americano e a dura realidade do poder.
Os primeiros homens a representar o impossível
Em meio à tensão da Guerra Fria, os EUA viviam uma corrida contra o tempo — e contra a União Soviética. Cada lançamento era uma mensagem política, cada astronauta, um símbolo. A NASA, recém-criada, precisava de heróis — rostos capazes de inspirar uma nação e vencer o medo coletivo do fracasso.
Os sete pilotos escolhidos para o Projeto Mercury se tornaram, de repente, o centro de um espetáculo global. Eram militares, patriotas e, acima de tudo, homens dispostos a arriscar tudo pela glória. Mas a série mostra que o heroísmo, quando observado de perto, é menos sobre bravura e mais sobre sobrevivência emocional.
Os Eleitos transforma o espaço em pano de fundo para explorar algo muito mais íntimo: o peso de ser visto como símbolo. A masculinidade heroica, exaltada na mídia, aparece aqui como uma armadura — um papel que exige sacrifício, silêncio e dor.
Glória pública, sacrifício privado
Enquanto o país via os astronautas como super-homens, suas famílias enfrentavam uma realidade muito menos glamourosa. As esposas — especialmente Annie Glenn (Nora Zehetner) e Trudy Cooper (Eloise Mumford) — sustentavam sozinhas a pressão da vida pública, a distância e os riscos.
A série dá espaço a essas figuras esquecidas da história, revelando o quanto o “sonho americano” era sustentado pelo esforço invisível de mulheres fortes, resilientes e silenciadas.
Os casamentos, as ausências e as incertezas mostram que o avanço tecnológico teve um custo humano altíssimo. A glória da NASA nasceu entre lágrimas domésticas e jantares interrompidos por chamadas de emergência. Essa dualidade — entre a grandeza e a solidão — é o coração emocional da narrativa.
Propaganda, política e o mito do herói
O que era ciência virou espetáculo. O que era risco, virou marketing. Os Eleitos retrata com sutileza a maneira como o governo americano moldou os astronautas em ícones, usando-os como instrumentos diplomáticos e símbolos de moralidade.
John Glenn (Patrick J. Adams), por exemplo, é retratado como o ideal do homem virtuoso, enquanto Alan Shepard (Jake McDorman) encarna a audácia e o individualismo competitivo — duas faces de uma mesma América.
A série não idealiza nem demoniza. Mostra, com elegância, que por trás da imagem de cada herói há um ser humano tentando encontrar sentido. A corrida espacial, afinal, não era só uma disputa entre nações — era uma corrida pela identidade, pelo direito de definir o que significa ser o “primeiro”.
Coragem, medo e o preço da ambição
Ser o primeiro americano no espaço não era apenas um feito técnico — era um salto de fé. Cada teste de voo, cada falha de foguete, cada decolagem carregava o risco da morte em nome de um ideal.
A série mostra o quanto o medo, frequentemente escondido sob o capacete, era o verdadeiro combustível da coragem. Alan Shepard, o primeiro a voar, vive o conflito entre orgulho e vulnerabilidade; John Glenn, entre devoção e vaidade. São homens imperfeitos tentando representar a perfeição.
Essa humanidade crua é o que torna Os Eleitos tão relevante. Em vez de um monumento à glória, o que vemos é um mosaico de dúvidas. O espaço é só o espelho ampliado das nossas próprias contradições.
As mulheres que também quiseram voar
Um dos arcos mais sensíveis da série envolve Trudy Cooper, piloto talentosa que sonha em voar, mas é relegada ao papel de esposa. Sua presença questiona o monopólio masculino da história da exploração espacial e antecipa debates que só viriam décadas depois.
A série, mesmo ambientada nos anos 50 e 60, dialoga com o presente ao mostrar que o verdadeiro avanço humano depende da inclusão — de reconhecer que o talento e o sonho não têm gênero.
Essa camada emocional transforma Os Eleitos em algo maior do que uma biografia: um manifesto silencioso pela visibilidade de quem sempre ficou à margem do protagonismo.
O sonho americano sob outro ângulo
Os Eleitos é visualmente clássico — luz dourada, uniformes impecáveis, trilha épica —, mas narrativamente melancólico. Por trás da estética de conquista, há um subtexto de desgaste, de solidão e de perda.
O espaço é o horizonte, mas o que realmente importa são as pessoas que olharam para ele e duvidaram se conseguiriam chegar lá.
A série encerra sua única temporada sem prometer respostas. E talvez esse seja o ponto: o verdadeiro heroísmo não está em vencer a corrida, mas em ousar começar. Antes de tocar as estrelas, os “eleitos” precisaram provar — para si mesmos — que eram dignos do próprio sonho.
