Em O Jogo da Imitação (2014), Morten Tyldum transforma a vida de Alan Turing em um retrato comovente da genialidade marginalizada. Ao decifrar o código Enigma, Turing ajudou a encurtar a Segunda Guerra Mundial — mas sua verdadeira batalha seria travada contra o preconceito, longe dos campos de guerra, dentro de seu próprio país.
A guerra por trás dos códigos
Durante a Segunda Guerra Mundial, a máquina Enigma permitia que os nazistas trocassem mensagens cifradas com complexidade quase impossível de ser decifrada. Bletchley Park, sede da inteligência britânica, reuniu algumas das mentes mais brilhantes da época para quebrar esse código — e Alan Turing, matemático excêntrico e recluso, foi o cérebro que concebeu uma solução até então impensável: uma máquina que calculasse possibilidades com precisão e velocidade.
O filme constrói tensão ao mostrar como a vitória não veio apenas por inteligência, mas também por escolhas éticas difíceis. Quando finalmente decifram o código, Turing e sua equipe percebem que revelar todas as informações interceptadas denunciaria que os alemães foram descobertos. Decidir quem vive ou morre, com base em estatísticas, tornou-se parte da nova guerra: silenciosa, matemática e cruel.
Uma mente à frente de seu tempo
Benedict Cumberbatch interpreta Turing com precisão emocional — entre a rigidez da lógica e as rachaduras de um homem que vive à margem. Turing não era apenas um gênio incompreendido: era um homem gay em uma época em que sua identidade era considerada crime. Sua diferença, inicialmente rejeitada por seus colegas, é o que o torna capaz de pensar fora dos moldes e criar a base daquilo que, décadas depois, chamaremos de inteligência artificial.
Ao lado de Cumberbatch, Keira Knightley vive Joan Clarke, única mulher da equipe e uma das figuras mais subestimadas da história da ciência. Sua presença traz leveza e questionamento ao machismo institucionalizado da época. Ao mesmo tempo em que enfrenta o preconceito por ser mulher num campo dominado por homens, ela também representa uma ponte emocional para Turing — alguém que o reconhece para além de sua função.
O triunfo apagado
Mesmo tendo salvado milhões de vidas com sua invenção, Turing não recebeu homenagens. Após a guerra, sua contribuição foi mantida em segredo por questões de segurança nacional. Pior: em 1952, foi denunciado por “indecência” devido à sua orientação sexual e condenado à castração química. Dois anos depois, morreu em circunstâncias que muitos consideram suicídio — símbolo de um Estado que falhou com seus heróis.
Essa parte da narrativa rompe com a glória usual dos filmes de guerra. O Jogo da Imitação não é apenas sobre vitórias contra o inimigo externo. É sobre derrotas morais no interior de uma sociedade que, mesmo em tempos de paz, continuava a ferir os seus. A máquina que decifrava códigos foi construída por alguém que a sociedade se recusou a decifrar.
Tecnologia, ética e legado
O “Christopher”, nome que Turing dá à sua máquina, é o embrião dos computadores modernos. O filme nos convida a pensar sobre como tecnologia e guerra se entrelaçam — e também sobre os dilemas éticos que acompanham toda inovação. Turing precisava que sua criação funcionasse não apenas para vencer batalhas, mas para dar sentido à sua própria vida.
Mas a maior contribuição de Turing talvez não tenha sido apenas técnica. Foi humana. Ao recusar-se a desistir, mesmo quando desacreditado, ele provou que a inteligência não cabe em moldes sociais. Sua história é um chamado à justiça histórica — e um lembrete de que ciência e empatia devem caminhar juntas.
Entre o heroísmo e a reparação
Décadas após sua morte, Alan Turing foi finalmente perdoado pelo governo britânico, em um gesto simbólico de reparação. Mas o filme faz um alerta: quantos outros foram silenciados pela intolerância? O Jogo da Imitação é, antes de tudo, um tributo a todos que contribuíram para a paz, mas foram derrotados pela ignorância.
Em tempos em que a diversidade ainda precisa ser defendida, a história de Turing permanece atual. A exclusão de corpos dissidentes, mesmo dentro de estruturas de poder, revela que o progresso técnico pouco vale sem o avanço dos direitos humanos.
O Jogo da Imitação é mais que um filme biográfico. É um lembrete poderoso de como o preconceito pode anular conquistas, de como o heroísmo pode ser silencioso, e de como a verdade pode demorar a ser reconhecida. A genialidade de Turing não estava apenas em quebrar códigos, mas em desafiar as normas — e nos ensinar que ninguém deveria ser punido por ser quem é.
