“Quando a verdade ameaça lucros, a mentira ganha megafone.” Essa frase resume o espírito de Merchants of Doubt (2014), documentário de Robert Kenner inspirado no livro de Naomi Oreskes e Erik M. Conway. A obra revela como empresas e políticos se apropriaram da manipulação da informação para proteger interesses econômicos, desacreditar a ciência e atrasar respostas urgentes a crises globais.
O negócio da desinformação
A premissa do documentário é clara: a dúvida pode ser vendida como produto. Corporações aprenderam, desde os tempos da indústria do tabaco, que semear incerteza na opinião pública é mais eficaz do que negar diretamente os fatos. A estratégia cria a sensação de que “não há consenso”, abrindo espaço para adiar regulações e manter lucros intactos.
Esse padrão se repete em diferentes áreas — do cigarro aos pesticidas, da poluição química às mudanças climáticas. O filme mostra que, por trás de discursos aparentemente legítimos, existe uma engrenagem poderosa de lobby e marketing dedicada a confundir o cidadão comum.
Ciência sob ataque
Ao entrevistar cientistas e historiadores, o documentário evidencia como a credibilidade da pesquisa se torna alvo de campanhas sistemáticas. Em vez de confrontar dados, os grupos de interesse atacam a integridade dos mensageiros, plantando a ideia de que a ciência seria apenas mais uma “opinião”.
Essa ofensiva contra o conhecimento não é apenas uma disputa de narrativas, mas uma ameaça real à tomada de decisões coletivas. Quando a ciência é desacreditada, abre-se espaço para políticas frágeis, ineficazes ou até nocivas, que perpetuam desigualdades e atrasam soluções urgentes para problemas globais.
Clima em xeque
O caso mais emblemático abordado é o das mudanças climáticas. Tal como ocorreu com a indústria do tabaco, empresas de energia e políticos alinhados financiaram campanhas para desacreditar o consenso científico sobre o aquecimento global. A tática funcionou: por décadas, debates foram desviados, projetos de lei paralisados e a opinião pública confundida.
Esse atraso não foi apenas simbólico. Custou tempo valioso em que medidas poderiam ter sido tomadas para reduzir emissões e preparar sociedades para enfrentar os impactos ambientais. A fabricação da dúvida, nesse contexto, não é apenas um truque retórico, mas uma escolha que compromete o futuro de gerações inteiras.
Ilusionismo e manipulação
Um dos elementos visuais mais marcantes de Merchants of Doubt é o uso da metáfora do ilusionismo. Assim como mágicos desviam a atenção da plateia para realizar seus truques, lobistas e comunicadores corporativos manipulam narrativas para ocultar a realidade. O filme sugere que a desinformação é, em essência, um espetáculo ensaiado, no qual a verdade é deliberadamente encoberta.
Esse recurso narrativo ajuda a traduzir um tema complexo em linguagem acessível. Mais do que explicar dados e relatórios, o documentário expõe a lógica da manipulação, permitindo que o espectador reconheça padrões que se repetem até hoje em debates sobre ciência, política e economia.
Responsabilidade e vigilância pública
Ao escancarar os bastidores da indústria da dúvida, o documentário aponta para a necessidade de maior responsabilidade de empresas, governos e instituições. Mas também lança um chamado à sociedade: é preciso desenvolver senso crítico para identificar manipulações e exigir transparência.
A desinformação não é apenas um obstáculo à ciência, mas um mecanismo que perpetua desigualdades. Populações mais vulneráveis são as primeiras a sofrer as consequências de políticas baseadas em falácias. Nesse sentido, Merchants of Doubt convida a enxergar a luta pela verdade não apenas como uma questão acadêmica, mas como um ato de justiça social.
