Dirigido e estrelado por Genevieve Nnaji, o desafio vai além de salvar uma empresa familiar: é sobre reescrever as regras de um mercado que, há gerações, dita que liderança tem gênero — e não é o dela.
Ao longo de 95 minutos, o longa não apenas narra uma história de negócios. Ele costura, com beleza e precisão, discussões sobre identidade, tradição, gênero e orgulho nacional, consolidando Nollywood no mapa global do streaming.
Liderança Feminina: Quando Competência Não É Opção, É Necessidade
A trama se inicia com um tropeço do destino: Chief Obiagu, fundador da empresa de transporte Lionheart, adoece subitamente. É então que Adaeze, sua filha, assume interinamente a direção, ao lado do tio Godswill. Se, dentro de casa, ela já era pilar de apoio, no mercado ela precisa provar, mais de uma vez, que a sua presença no comando não é gentileza familiar — é mérito.
O filme constrói, com delicadeza e firmeza, um retrato das tensões que mulheres enfrentam em espaços de poder. Entre negociações, reuniões tensas e estratégias de recuperação financeira, Adaeze não apenas desafia os homens à sua volta, mas também as próprias dúvidas — e faz isso sem abrir mão da ética, da escuta e da empatia como ferramentas de liderança.
Família, Legado e a Economia que Move o Sul Global
Mas Lionheart não é apenas sobre gênero — é também sobre legado. A transportadora, símbolo da resiliência econômica da família Obiagu, reflete um segmento vital para a Nigéria: o transporte rodoviário, que conecta cidades, produtos e histórias num país de mais de 200 milhões de habitantes.
Ao focar nas dinâmicas familiares, o filme abre uma janela para o debate intergeracional: como equilibrar tradição e inovação? Como honrar o passado sem se aprisionar nele? Perguntas que ressoam não só em Enugu, mas em qualquer economia emergente que busca se modernizar sem perder sua identidade.
Ética Empresarial: Ganhar Sem Perder Quem Se É
No caminho para salvar a Lionheart, Adaeze descobre não apenas dívidas ocultas, mas também sabotagens e jogos de poder conduzidos por concorrentes. O roteiro, no entanto, opta por uma abordagem que foge ao clichê do “vale tudo”. Aqui, a vitória não depende de golpes baixos, mas de inteligência estratégica, alianças improváveis e, sobretudo, da capacidade de manter a integridade em um mercado que frequentemente testa limites éticos.
É uma afirmação poderosa, especialmente num cenário midiático global que, muitas vezes, associa narrativas africanas a corrupção ou violência. Lionheart contrapõe essa lógica, oferecendo uma história onde dignidade, cooperação e inteligência são as maiores armas.
Nollywood Global: Orgulho, Desafio e Representatividade
Ao ser adquirido pela Netflix, Lionheart rompeu fronteiras e elevou Nollywood — a indústria cinematográfica nigeriana — a um novo patamar de visibilidade. Com isso, surge uma reflexão inevitável: quem define os parâmetros da legitimidade cultural?
O episódio da desclassificação do filme no Oscar 2020 — sob a justificativa de que havia “excesso de inglês” no áudio — escancarou como estruturas globais ainda aplicam critérios que muitas vezes ignoram a complexidade linguística de ex-colônias britânicas. Na Nigéria, onde o inglês é idioma oficial e convive com mais de 500 línguas locais, a decisão foi vista como miopia institucional — e reacendeu o debate sobre diversidade e inclusão nas premiações internacionais.
Coragem de Leão, Coração de Líder
Ao final, Lionheart deixa claro: liderança não é atributo de gênero, mas de caráter. O filme celebra as mulheres que, muitas vezes, conduzem negócios, famílias e comunidades sem receber o mesmo reconhecimento dos homens — e faz isso sem apelar para dramatismos fáceis.
Genevieve Nnaji entrega uma obra que une a estética vibrante da Nigéria contemporânea a uma mensagem universal: é possível conduzir com firmeza e, ao mesmo tempo, com sensibilidade. E talvez, justamente por isso, o filme se conecte com públicos tão diversos — de Lagos a São Paulo, de Enugu a Nova York.