“Paternidade” (Fatherhood, 2021), da Netflix, inicia-se com um luto que interrompe o que deveria ser um começo: Matt (Kevin Hart), recém-pai, perde a esposa logo após o nascimento da filha. Sem tempo para chorar, ele precisa aprender — sozinho — a trocar fraldas, alimentar uma recém-nascida e suportar as noites em claro. Mas o que o filme mostra não é apenas a sobrevivência técnica da rotina: é o processo delicado de construir afeto real em meio ao medo.
Com uma condução honesta e sensível, o diretor Paul Weitz mergulha em um universo onde o caos doméstico encontra brechas para a ternura. A história, baseada nas memórias reais de Matthew Logelin, contorna fórmulas fáceis e propõe uma narrativa em que a masculinidade se revela frágil, cuidadora e, acima de tudo, possível.
Kevin Hart fora da zona de conforto — e dentro de um papel memorável
Conhecido pelo humor físico e energia acelerada, Kevin Hart entrega aqui uma performance que foge completamente de seu padrão habitual. Seu Matt é contido, confuso e profundamente humano. Entre erros e acertos, o ator constrói um pai que tenta — e que, por tentar, já acerta muito.
O filme se beneficia da presença de Alfre Woodard, no papel da sogra crítica e protetora. Sua atuação segura e firme traz equilíbrio às inseguranças do protagonista, sem recorrer a estereótipos. Ao redor de Hart e Woodard, atores como Lil Rel Howery, DeWanda Wise e Paul Reiser ajudam a desenhar a rede de apoio que, aos poucos, ensina Matt a confiar nos outros — e em si mesmo.
Uma história pessoal, com ecos sociais
“Paternidade” se passa em um universo doméstico e íntimo, mas toca em temas amplos: o papel dos homens no cuidado infantil, os estigmas sobre pais solos e a solidão invisível do luto masculino. A trajetória de Matt deixa evidente como a dor nem sempre encontra tempo para se expressar, especialmente quando há uma criança precisando de colo — literal e emocionalmente.
A estrutura linear da narrativa acompanha os primeiros anos de Maddy, sua filha, costurando cenas comedidas de caos com pequenos momentos de conquista: os primeiros passos, as despedidas no portão da escola, a primeira vez em que Matt se permite sair sozinho. Esses fragmentos formam um mosaico afetivo que desafia modelos tradicionais de família.
Entre birras e epifanias — o cotidiano como revolução
Nada em “Paternidade” parece extraordinário à primeira vista. Não há grandes reviravoltas, nem cenas dramáticas de ruptura. O que há, no entanto, é a insistência da rotina: as birras no supermercado, os conselhos contraditórios, a dúvida constante de estar fazendo o suficiente. E é justamente nesse cotidiano aparentemente banal que o filme encontra sua força.
A escolha por evitar conflitos violentos ou antagonistas caricatos reforça a proposta do longa: mostrar que criar um filho não exige heroísmo, mas presença. E que, por vezes, presença é tudo que se tem — e tudo que se precisa.
Um filme com alma — e limites narrativos
Embora carregado de intenção emocional, o roteiro por vezes escorrega em soluções rápidas para problemas complexos. Conflitos familiares se resolvem com frases motivacionais, e dilemas internos são encerrados sem enfrentamento real. Esse tom otimista pode soar reconfortante para uns, mas superficial para outros — especialmente em temas como luto e saúde mental.
Ainda assim, o saldo final é positivo. “Paternidade” não pretende ser manifesto, mas acolhimento. E, ao fazer isso com sinceridade, entrega um conteúdo que toca quem vive — ou já viveu — qualquer forma de recomeço emocional.
Paternidade como construção coletiva
O filme também destaca a importância das redes de cuidado — não apenas no sentido familiar, mas social. Avós, amigos, colegas de trabalho, educadores: todos colaboram, ainda que de forma sutil, para que Matt consiga se manter de pé. Essa visão de parentalidade descentralizada, afetiva e horizontal é um dos maiores méritos da produção.
Ao recusar o mito do pai “guerreiro solitário”, “Paternidade” propõe outro modelo: o do pai vulnerável, que aprende com os outros, erra, pede ajuda e ainda assim segue adiante. Nesse gesto, o filme participa de uma conversa mais ampla sobre equidade emocional e novos papéis de cuidado.
No fim, amor ainda é verbo
“Paternidade” é, em essência, uma celebração das pequenas resistências cotidianas. Não há superpoderes, tampouco redenção milagrosa. Mas há tentativa. Há escuta. Há entrega. E, acima de tudo, há um amor construído entre desastres domésticos, choros noturnos e gargalhadas inesperadas.
Nesse caminho de perdas e descobertas, o longa dirigido por Paul Weitz reafirma que cuidar é uma prática. E que, mesmo sem manual, é possível aprender — todos os dias — a ser pai.
