Ícone da moda americana, Halston viveu no fio da navalha entre o requinte e a ruína. A minissérie da Netflix dirigida por Daniel Minahan e estrelada por Ewan McGregor transforma sua trajetória em um retrato exuberante e doloroso sobre os limites da genialidade quando moldada por fama, vaidade e estruturas de exclusão.
Luxo minimalista, ego maximalista
A estética de Halston revolucionou a moda norte-americana com traços limpos, cortes precisos e um minimalismo sofisticado que vestiu desde Jackie Kennedy até a elite das passarelas internacionais. O estilo do estilista transcendeu roupas — tornou-se assinatura de uma era. No entanto, à medida que seu nome ganhava notoriedade, Halston passou a ser engolido pelo próprio mito que construíra. A série capta com precisão esse paradoxo: a arte depurada de suas criações contrastando com o caos crescente de suas relações e decisões.
Ewan McGregor entrega uma performance irretocável ao interpretar um homem que não sabia separar o artista da marca. O Halston da minissérie é ao mesmo tempo divino e trágico, movido por uma necessidade quase infantil de controle e reconhecimento. No auge da fama, sua obsessão por perfeição começa a rachar a fachada do sucesso, revelando um vazio afetivo crescente e uma personalidade fragmentada.
Ascensão meteórica, queda solitária
A narrativa da minissérie é linear e direta, começando na infância marcada pela rejeição emocional e chegando ao clímax no momento em que Halston assina contratos que o afastam de sua própria criação. A série mostra os bastidores do “Battle of Versailles”, o lançamento do perfume homônimo e a entrada da marca no circuito comercial via JCPenney — eventos que deveriam solidificar seu império, mas, ao contrário, aceleram sua desintegração.
Mais do que a queda financeira, o que pesa na trajetória de Halston é a perda de identidade artística. O nome que lhe abriu portas se torna uma prisão. As drogas, a solidão e os jogos de poder na indústria criam um cenário de destruição silenciosa. Ao final, resta uma figura isolada, desconectada das raízes criativas que o definiram.
Estilo exuberante, silêncios incômodos
Visualmente, Halston é um deleite. Figurinos detalhados, ambientações luxuosas e uma paleta vibrante recriam com rigor o glamour das noites em Studio 54 e os bastidores da alta moda. A recriação estética foi reconhecida com prêmios e indicações importantes, como o Emmy de Melhor Ator e o Costume Designers Guild Awards. Contudo, a narrativa deixa a desejar no aprofundamento de personagens secundários.
Colaboradores fundamentais como Joe Eula, Elsa Peretti e Liza Minnelli orbitam o protagonista sem ter suas subjetividades realmente exploradas. Da mesma forma, figuras negras e latinas aparecem como coadjuvantes estéticos, reforçando a crítica de que o brilho da série às vezes ofusca histórias que mereciam luz própria. A representatividade, apesar de presente, não alcança a potência que poderia ter.
Quando o nome é mais forte que o homem
Um dos méritos da minissérie é mostrar como a lógica corporativa e a pressão por exclusividade podem esvaziar o próprio criador. A comercialização extrema da marca Halston, que culmina na perda de controle sobre seu próprio nome, funciona como alegoria de um sistema que consome talentos enquanto vende autenticidade. O discurso de “democratizar o luxo” entra em conflito com a estrutura elitista e excludente da indústria da moda.
Essa crítica se estende, sutilmente, ao culto da personalidade que ainda marca os ambientes criativos. O ego é valorizado como motor de inovação, mas também serve de álibi para abusos, apagamentos e decisões destrutivas. No caso de Halston, o ego era também sua couraça — e sua ruína.
Uma série que brilha, mas não ilumina tudo
Halston cumpre com estilo o papel de espetáculo biográfico. É uma série elegante, precisa e visualmente cativante. No entanto, sua insistência em manter o foco absoluto no protagonista limita o potencial da narrativa. Faltam vozes, contextos e conflitos mais plurais que ampliem o retrato do tempo e das pessoas que cercaram o estilista. A crítica se divide entre a admiração pela atuação de McGregor e a frustração com o roteiro que opta por não mergulhar em dimensões coletivas mais profundas.
Ainda assim, o impacto da obra permanece. Ela provoca discussões sobre o peso da fama, a ética na indústria criativa e os limites entre inspiração e obsessão. Ao dar rosto, voz e corpo a um dos nomes mais influentes da moda americana, Halston também convida o público a refletir: até que ponto o brilho pode ocultar o esgotamento?
