Entre a genialidade e a contradição, Genius é uma série que desmistifica ícones da ciência, arte e luta social em quatro temporadas intensas. Com produções cuidadosas, atuações marcantes e narrativas que atravessam o tempo, a série convida o público a enxergar o lado humano por trás do mito — e, com isso, refletir sobre questões históricas que seguem atuais.
Um gênio, múltiplos rostos
Produzida pelo canal National Geographic em parceria com a Imagine TV e outras produtoras, Genius propõe um olhar biográfico inovador por meio de uma antologia dramatizada. Cada temporada explora profundamente a trajetória de uma personalidade histórica — Albert Einstein, Pablo Picasso, Aretha Franklin, Martin Luther King Jr. e Malcolm X —, combinando alta produção estética, pesquisa documental e emoção cênica.
O diferencial da série está em humanizar esses nomes icônicos, revelando não só feitos extraordinários, mas também seus dilemas íntimos, falhas morais e tensões sociais. É nesse ponto que a produção ultrapassa o convencional e se conecta com temas mais amplos — como justiça social, ética científica, desigualdade racial e expressão artística como resistência.
Einstein: a mente inquieta diante da barbárie
A primeira temporada, protagonizada por Geoffrey Rush e Johnny Flynn, apresenta um Einstein multifacetado — patriota, rebelde, amante e imigrante. A série mergulha em sua juventude conturbada, suas relações conflituosas com Mileva Marić e o peso da ciência em tempos de guerra, especialmente diante do avanço do nazismo e do desenvolvimento da bomba atômica.
Mais do que exaltar sua genialidade teórica, Genius revela a angústia de um homem que precisou repensar suas convicções ao enfrentar as consequências políticas e humanas de sua própria obra. O espectador é levado a refletir sobre o papel social da ciência e os limites éticos do progresso.
Picasso: entre arte, ego e política
A segunda temporada, com Antonio Banderas no papel principal, traça um retrato intenso e contraditório do pintor espanhol. De sua juventude marcada pela dor da perda de Casagemas até o enfrentamento à ditadura franquista, a série percorre suas fases artísticas e seus relacionamentos marcados por paixão e poder.
Embora tenha dividido opiniões pela abordagem menos equilibrada de certos temas, a narrativa evidencia como a genialidade também pode coexistir com posturas abusivas e omissões políticas. A arte, nesse contexto, é tanto libertação quanto reflexo de seus próprios limites morais e sociais.
Aretha Franklin: voz, fé e resistência
A terceira temporada traz a trajetória de Aretha Franklin, interpretada por Cynthia Erivo com intensidade emocional. Da infância marcada pelo gospel e por experiências difíceis até a consagração como ícone do soul, a série enfatiza como sua voz foi instrumento de resistência cultural, especialmente para mulheres negras em ambientes dominados por homens.
Mesmo enfrentando críticas ao roteiro convencional, a temporada se destaca ao abordar de forma sensível temas como maternidade precoce, conflitos familiares e o impacto de Franklin na cultura e na política americana. Sua presença na série é mais do que musical: é uma declaração de identidade e transformação.
Martin Luther King e Malcolm X: legados que se cruzam
A quarta e mais recente temporada se debruça sobre dois dos maiores líderes dos direitos civis dos Estados Unidos. Martin Luther King Jr. e Malcolm X, interpretados por Kelvin Harrison Jr. e Aaron Pierre, são apresentados em suas complexidades: seus discursos, embates ideológicos, vidas familiares e estratégias distintas de enfrentamento ao racismo.
Ao apresentar paralelismos e divergências, a série questiona narrativas simplistas e evidencia o custo humano da liderança. A temporada reforça o poder da memória histórica e da luta coletiva, mostrando que a transformação social muitas vezes nasce do conflito, e não do consenso.
Educação, memória e representatividade
Genius assume um papel que transcende o entretenimento. Ao dramatizar figuras históricas em sua integridade — com glórias, falhas e contradições —, a série contribui para uma educação mais sensível e plural. É um convite a conhecer, questionar e repensar como construímos nossa visão de mundo com base em heróis muitas vezes idealizados.
Ao colocar em evidência protagonistas racializados, mulheres e líderes revolucionários, a antologia promove também uma revisão da representação na mídia. Essa escolha ajuda a romper silêncios históricos e amplia o repertório cultural de um público que, muitas vezes, teve acesso limitado a essas narrativas nos formatos tradicionais de ensino.
Arte e legado: o que permanece?
Cada temporada de Genius lança luz sobre uma pergunta essencial: o que faz de alguém um gênio? Seria o talento técnico, o impacto social, ou a capacidade de ressignificar seu tempo? Ao responder essas perguntas com nuances, a série propõe uma nova forma de entender o legado — não como estátua inatingível, mas como processo vivo e debatível.
Ao tratar de racismo, desigualdade, poder, gênero, ciência e fé, Genius se torna mais do que um registro biográfico. É uma reflexão crítica sobre o presente por meio do passado. Uma produção que, sem recorrer a discursos panfletários, mobiliza temas ligados à justiça social, à equidade e à valorização da diversidade humana.
