Na série Away (Netflix, 2020), uma equipe internacional parte rumo a Marte, enfrentando os riscos do espaço e os abismos da saudade. Sob o comando da astronauta Emma Green, a jornada revela que a fronteira mais difícil de atravessar não é a atmosfera terrestre — é a que separa o dever da emoção.
O espaço entre nós
Away não é apenas uma ficção científica sobre a conquista de Marte. É um retrato sensível daquilo que deixamos para trás quando perseguimos algo maior. Emma Green (Hilary Swank) representa uma geração de pioneiros que acreditam que o progresso exige renúncia — mas a série mostra que nem sempre é possível medir o sucesso quando o custo é o afeto humano.
O espaço aqui é uma metáfora poderosa. Ele reflete a distância entre as pessoas, o silêncio entre as ligações, e a solidão de quem tenta sustentar o amor à distância. Cada transmissão da nave é uma confissão, cada ruído no rádio é uma lembrança de que há um mundo inteiro esperando. A ciência e o coração, lado a lado, tentando sobreviver no vácuo.
Fé, ciência e o vazio
Em meio a cálculos e protocolos, Away se permite falar sobre fé. Kwesi (Ato Essandoh), o botânico e homem de crença profunda, traz à missão uma espiritualidade silenciosa — uma esperança que não depende de dados, mas de algo inato ao humano. Ele reza não para ser salvo, mas para lembrar que há propósito até no caos.
Essa tensão entre fé e razão é o que dá humanidade à série. A cada emergência, cada pane ou perda, surge a pergunta: o que realmente nos sustenta? A tecnologia é o escudo, mas é a fé — seja em Deus, em si mesmo ou nos outros — que mantém a tripulação em movimento. No fundo, a série revela que o verdadeiro combustível para chegar a Marte é a confiança no invisível.
Liderança em gravidade zero
Emma Green é uma comandante que não precisa gritar para liderar. Sua força vem da empatia — e é justamente isso que a fragiliza. Como mulher em posição de comando, ela enfrenta não só o perigo técnico, mas também o peso simbólico de representar algo maior do que si mesma. Seu sucesso é coletivo, mas suas falhas, profundamente pessoais.
A série reflete a realidade de muitas mulheres que precisam se provar em espaços ainda marcados por desconfiança. Emma não é apenas uma astronauta — é uma mãe, uma parceira e uma líder tentando equilibrar múltiplas órbitas. Sua jornada reafirma que a coragem não é ausência de medo, mas a decisão de agir apesar dele.
Cooperação em meio ao silêncio
Dentro da nave Atlas, a humanidade se comprime em um pequeno grupo multicultural. Russos, chineses, americanos, indianos — cada um com sua história, idioma e bagagem emocional. As tensões entre eles são inevitáveis, mas Away escolhe não dramatizar o conflito político: ela o transforma em aprendizado.
A convivência forçada revela tanto as fraquezas quanto as virtudes da espécie humana. A sobrevivência no espaço só é possível através da colaboração, e a série reforça — sem discursos — que o futuro da ciência e da vida depende da capacidade de unir diferenças em torno de objetivos comuns. No silêncio do cosmos, a comunicação torna-se o mais raro e precioso recurso.
A Terra como ponto de partida — e de chegada
Enquanto a missão avança, a vida na Terra continua. Matt (Josh Charles) e Lex (Talitha Bateman) representam o que Emma perde a cada dia de viagem: o toque, o riso, o cotidiano. A narrativa alterna o cosmos e o lar, mostrando que há dois tipos de gravidade — a física, e a emocional.
No fim, Away é menos sobre explorar outros planetas e mais sobre compreender o nosso. É uma história sobre o valor da presença, sobre o que significa ser humano em meio à distância. Quando a tripulação finalmente pisa em Marte, a série nos lembra que o verdadeiro passo gigante é interno: é continuar acreditando uns nos outros, mesmo separados por milhões de quilômetros.
