Em Cidade Invisível, criação de Carlos Saldanha para a Netflix, o Brasil vê suas lendas mais conhecidas deixarem as páginas dos livros e as rodas de conversa para ganhar forma no coração da metrópole. A série mistura mistério policial, fantasia e reflexão ambiental, transformando histórias ancestrais em peças fundamentais de um enredo que une passado e presente.
Entre o mito e a cidade
A trama começa com a investigação da morte da esposa do detetive Eric, interpretado por Marco Pigossi, que o leva a descobrir um universo paralelo ao cotidiano urbano. Nesse espaço invisível aos olhos da maioria, vivem figuras do folclore brasileiro — não como relíquias do passado, mas como habitantes ativos da cidade, adaptados à modernidade sem perder sua essência lendária.
A convivência entre o real e o sobrenatural cria um cenário onde a cidade deixa de ser apenas concreto e trânsito. Cada encontro com personagens como Cuca, Curupira e Iara é também um resgate simbólico da cultura popular, provando que a identidade nacional pode — e deve — coexistir com a urbanização sem ser engolida por ela.
Natureza como território de disputa
Além da dimensão fantástica, a série aborda o impacto da ação humana sobre o meio ambiente. As criaturas míticas não são apenas guardiãs de lendas, mas também da natureza, entrando em conflito com interesses econômicos que exploram e degradam ecossistemas. Essa abordagem transforma o folclore em ferramenta narrativa para falar sobre preservação e responsabilidade coletiva.
Ao inserir a questão ambiental no centro do enredo, Cidade Invisível amplia o alcance do debate, conectando-o a elementos afetivos e culturais. A defesa da floresta, dos rios e da fauna deixa de ser apenas pauta técnica ou científica para se tornar parte viva da história de um povo — algo que toca tanto a razão quanto o coração.
O valor da memória cultural
Se a série fascina pela fotografia sombria e pelos efeitos visuais realistas, sua força maior está na forma como trata o folclore como patrimônio. Cada mito reapresentado ao público não é apenas recriado para fins dramáticos, mas ressignificado para que novas gerações o entendam como algo atual, relevante e digno de orgulho.
Essa valorização da memória oral e das narrativas tradicionais funciona como contraponto à tendência global de homogeneização cultural. Ao destacar personagens e histórias brasileiras em um produto de alcance internacional, Cidade Invisível ajuda a consolidar o folclore como parte da identidade do país, protegendo-o do esquecimento e da descaracterização.
Uma ponte entre passado e futuro
Mais do que um suspense sobrenatural, Cidade Invisível é um lembrete de que cultura, natureza e identidade estão profundamente entrelaçadas. A série reforça a ideia de que preservar não é apenas manter o que já existe, mas também encontrar novas formas de integrar tradição e modernidade.
No fim, o mundo “invisível” revelado por Eric é também uma metáfora: aquilo que não vemos — ou escolhemos ignorar — pode ser exatamente o que sustenta a nossa existência. E, tal como nas lendas, a lição mais importante pode vir disfarçada em mistério.
