m Linha de Passe (2008), Walter Salles e Daniela Thomas mergulham no coração da periferia paulistana para contar uma história de luta cotidiana, sonhos adiados e resistências silenciosas. Sem pai em casa e com uma mãe exausta e grávida do quinto filho, quatro irmãos tentam sobreviver e projetar sentido em uma realidade onde cada escolha é um passe arriscado no jogo desigual da vida.
O futebol surge como a promessa de escape para Dario, jovem que treina obsessivamente em busca de uma chance em clubes profissionais, o que é um sonho comum a milhões de garotos brasileiros. Mas a bola é só uma das linhas dessa trama fragmentada: Dênis, motoboy às voltas com empregos temporários e responsabilidades precoces; Dinho, que busca refúgio na igreja evangélica para preencher o vazio do abandono; e Reginaldo, criança solitária que sonha ser motorista de ônibus enquanto vasculha pistas sobre o paradeiro do pai que nunca conheceu.
A mãe, Cleuza, interpretada magistralmente por Sandra Corveloni, é o pilar silencioso dessa família. Grávida e exausta, representa a resiliência de tantas mulheres que sustentam lares sozinhas, driblando humilhações e incertezas. Sua presença firme mas vulnerável é o fio que liga as narrativas dos filhos, que caminham juntos e apartados, cada um com seu peso e esperança.
O filme evita o melodrama fácil. Com uma abordagem quase documental, câmera na mão e uso de atores não profissionais, a direção opta pela crueza: ônibus lotados, ruas cinzentas, oficinas, igrejas de garagem — uma São Paulo real, reconhecível e não idealizada. A trilha sonora de Gustavo Santaolalla acentua esse tom melancólico, reforçando o sentimento de que cada pequeno gesto, seja um olhar, um silêncio, uma palavra não dita — carrega o peso de decisões irreversíveis.
Mas Linha de Passe não fecha suas tramas com soluções ou redenções mágicas. O filme termina aberto, como a própria vida desses personagens. O futuro de Dario no futebol é incerto; Reginaldo não encontra o pai; Dênis segue na informalidade; Dinho permanece na fé como consolo. Nenhum milagre acontece — mas todos resistem. E é nessa resistência discreta que o filme encontra sua potência.
Mais do que um retrato da pobreza urbana, Linha de Passe é um estudo sobre masculinidade periférica, juventude sem garantias e o papel vital das mães em contextos de ausência paterna. Também é uma meditação sobre o futebol não como glamour ou heroísmo midiático, mas como esperança real de fuga da exclusão.
Com delicadeza e rigor, Salles e Thomas entregam um cinema que não se pretende messiânico, mas honesto. Um cinema que olha nos olhos da periferia e enxerga sujeitos inteiros, complexos, humanos capazes de errar, sonhar, cair e levantar.
