A obra que foi o primeiro filme do Butão indicado ao Oscar, “Lunana: A Yak in the Classroom”, transforma uma jornada escolar improvável em lição de vida sobre futuro, pertencimento e esperança em tempos de crise global.
No momento em que a hiperconectividade se faz essencial, uma sala de aula sem eletricidade, giz ou caderno se torna impensável, mas é exatamente essa a realidade no vilarejo himalaio de Lunana, a quase 5 mil metros de altitude no Butão. É nesse local que se desenrola a história de “Lunana: A Yak in the Classroom” (2019), filme que comoveu o público mundo afora e colocou o cinema butanês, pela primeira vez, entre os finalistas ao Oscar de Melhor Filme Internacional, em 2022.
Dirigida por Pawo Choyning Dorji, a obra é ao mesmo tempo singela e profunda. Com fotografia naturalista de tirar o fôlego e um elenco formado, em grande parte, por moradores locais, a produção foi realizada com uma equipe mínima, painéis solares improvisados e uma estética de simplicidade radical, tornando o filme autêntico e transmitindo uma conexão direta ao coração de quem assiste.
Quando ensinar é reaprender
A narrativa acompanha Ugyen Dorji, um jovem professor butanês que sonha em abandonar a carreira pública para tentar a sorte como cantor na Austrália. Em vez disso, é enviado “de castigo” para a escola mais remota do país. Lá, confrontado com a vida comunitária sem luxos nem sinal de celular, Ugyen redescobre o poder transformador da educação e aprende que ensinar é, antes de tudo, escutar.
Ao lado de personagens como Pem Zam, uma aluna encantadora de sorriso largo, e Saldon, guardiã das tradições musicais da vila, o professor redescobre valores não materiais, como afeto, resiliência e interdependência. Até a yak que dá nome ao filme se torna símbolo dessa conexão vital entre natureza e comunidade.
Progresso com raízes
Lunana propõe uma reflexão sobre o que significa “progresso”. Em um mundo onde o sucesso é medido por consumo e status, o filme aposta na filosofia butanesa da Felicidade Interna Bruta (FIB) como contraponto possível. Em vez de apagar o passado e substituí-lo pela modernidade, o longa mostra como canto folclórico, celulares desligados e aprendizado oral podem coexistir com o desejo de mudança.
Cinema como ponte
Filmado em 2018, antes da chegada da internet 3G à região, Lunana teve sua estreia em Londres (2019), circulou em festivais brasileiros em 2020 e ganhou fôlego com a distribuição pelo Telecine em 2022. Sua trajetória de boca a boca ilustra o poder do cinema como soft power, não apenas para divulgar a cultura do Butão, mas para trazer à tona temas globais como educação de qualidade (ODS 4), justiça climática (ODS 13) e comunidades sustentáveis (ODS 12).
Uma sala de aula a 5 mil metros
No fim das contas, a obra lembra que, mesmo nas altitudes mais extremas, a sala de aula continua sendo o ponto mais alto do mundo. Ali, entre pedras, músicas e olhares curiosos, toca-se o futuro e aprende-se que a felicidade, talvez, esteja mesmo nas pequenas coisas — como uma lição cantada, um sorriso recebido ou giz improvisado no quadro de pedra.
