A série A Cor do Poder apresenta uma distopia afrofuturista em que a lógica histórica da dominação racial é subvertida. Ambientada numa Europa fictícia chamada Albion, o enredo imagina um mundo em que nações africanas colonizaram a Europa e criaram uma sociedade onde os negros chamados de “Crosses” são a elite dominante, enquanto os brancos, os “Zeros” vivem marginalizados, em guetos e com direitos limitados. Essa inversão desconfortável serve como lente crítica para discutir poder, privilégio e opressão, temas centrais desde o primeiro episódio.
Romance em tempos de tensão
No centro da trama está o romance proibido entre Sephy, filha de um importante político Cross, e Callum, um jovem Zero que sonha em ter uma vida digna apesar das imposições raciais. O relacionamento dos dois é atravessado por conflitos sociais, repressão policial e revoltas armadas que inflamam Albion. A história dos jovens amantes funciona como metáfora de uma sociedade partida ao meio e também como uma reflexão sobre os limites do amor em face das estruturas institucionais.
Estética afrofuturista e crítica social
A produção aposta em uma estética visual poderosa que combina cenários urbanos modernos com referências culturais africanas nos figurinos, nos objetos de cena e na trilha sonora assinada por Jay Z. A fotografia fria reforça o tom distópico e melancólico da narrativa, enquanto a ambientação na África do Sul cria um contraste geográfico que remete à colonialidade histórica e ao Apartheid, mas em chave invertida. A série mistura ficção científica, drama e romance político sem perder de vista o comentário social, transformando Albion num espelho simbólico da realidade ocidental contemporânea.
Repercussão e impacto
Com duas temporadas lançadas, a série dividiu a crítica e o público. Enquanto alguns elogiaram a coragem temática e a densidade dos protagonistas Masali Baduza e Jack Rowan, outros apontaram certa previsibilidade no desenvolvimento da trama. Ainda assim, a inversão de papéis raciais proposta pela obra gerou discussões relevantes sobre representatividade, privilégio branco e discriminação estrutural, aproximando o projeto de clássicos como Romeu e Julieta sob uma ótica racializada e moderna.
Uma metáfora necessária
Inspirada na série de livros da escritora Malorie Blackman, A Cor do Poder nasceu de uma reflexão direta sobre o racismo na Inglaterra dos anos 90, especialmente o caso Stephen Lawrence, jovem negro assassinado num crime de ódio racial. A série se conecta com outras produções afrofuturistas e de ficção especulativa que colocam pessoas negras no centro da narrativa, seja como líderes políticos, seja como símbolos de resistência, algo raro na tradição da ficção científica televisiva ocidental.
Reflexões além da tela
A narrativa convida o espectador a repensar os mecanismos de privilégio racial ao mostrar o outro lado do espelho histórico. Não se trata apenas de inverter o racismo, mas de provocar empatia e compreensão sobre o sofrimento imposto a populações inteiras por séculos. O amor impossível entre Sephy e Callum evidencia como as fronteiras sociais são mantidas e reforçadas, mesmo quando os papéis aparentes mudam.
Conexões com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável
A série dialoga diretamente com temas dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas, sobretudo na redução das desigualdades e no fortalecimento de instituições justas. A violência institucionalizada, o preconceito racial e as barreiras de mobilidade social que afetam os Zeros funcionam como crítica aos sistemas excludentes do mundo real.
Essência
A Cor do Poder é uma obra que provoca e desconstrói. Ao inverter as lógicas raciais dominantes, a série não oferece respostas fáceis, mas sim uma reflexão necessária sobre privilégio, amor e identidade. Sua força está na coragem de imaginar um futuro onde os papéis se alteram, mas os dilemas humanos de desejo de liberdade, aceitação e afeto continuam universais. Uma distopia que fala menos de fantasia e mais da nossa realidade possível.
