Desde sua estreia em 2021, Only Murders in the Building conquistou o público ao unir suspense, humor e emoção em uma narrativa sofisticada sobre conexão humana e obsessão midiática. Estrelada por Steve Martin, Martin Short e Selena Gomez, a série vai além do gênero “whodunit” para construir um retrato afetivo — e muitas vezes satírico — da vida em comunidade, dos silêncios urbanos e da vontade de ser ouvido.
Mistério, microfones e vizinhos curiosos
O ponto de partida é simples: um assassinato em um prédio de luxo no coração de Manhattan. A morte, tratada inicialmente como suicídio, desperta a suspeita de três moradores excêntricos que compartilham uma paixão por podcasts de crimes reais. Charles, Oliver e Mabel, até então desconhecidos entre si, unem forças para investigar o caso — e, de quebra, criar seu próprio podcast.
A série brinca com essa obsessão contemporânea por narrativas criminais ao colocar pessoas comuns no centro da trama, usando o podcast como fio narrativo e metáfora. Mais do que descobrir o assassino, os protagonistas tentam redescobrir a si mesmos — em meio a gravações amadoras, pistas desconexas e dilemas morais sobre o que deve ou não ser contado.
Três gerações, um prédio e muitas camadas
O trio principal representa gerações distintas e carrega traumas próprios: Charles, um ator aposentado preso ao passado; Oliver, um diretor teatral falido que vive de aparências; Mabel, uma jovem enigmática que guarda mais segredos do que aparenta. Essa diferença de idade e perspectiva gera atritos, mas também abre espaço para uma construção inusitada de afeto e solidariedade.
A série se destaca por retratar a amizade intergeracional de forma não caricata. Os conflitos não são ignorados, mas servem como ponto de partida para diálogos sobre memória, confiança e cuidado. Em uma era marcada por desconfiança e individualismo, Only Murders in the Building defende, com delicadeza, a importância de se abrir ao outro — mesmo que esse “outro” tenha uma playlist muito diferente da sua.
A vida urbana sob uma lente afetuosa
O Arconia, edifício fictício onde tudo se passa, é quase um personagem por si só. Com sua arquitetura imponente e seus moradores excêntricos, o prédio simboliza as contradições da vida urbana: vizinhos que mal se conhecem, fachadas luxuosas que escondem solidão, e uma falsa sensação de segurança que se desfaz ao primeiro sinal de crise.
A série usa esse espaço para refletir sobre o que significa viver em comunidade em uma metrópole. Entre reuniões de condomínio, olhares desconfiados e segredos de apartamento, surge uma crítica sutil à fragmentação da convivência urbana — e um convite à reconstrução de vínculos, mesmo em um cenário onde tudo parece incentivar o isolamento.
Comédia que revela feridas reais
Apesar do tom leve e do humor refinado, Only Murders in the Building não se furta a tratar de questões delicadas. Solidão, luto, ansiedade, fracasso e esquecimento percorrem a vida dos protagonistas com naturalidade. As piadas, muitas vezes, surgem como mecanismos de defesa — mas também como portas de entrada para conversas mais profundas sobre vulnerabilidade.
Nesse sentido, a série mostra como o riso pode ser uma ferramenta de sobrevivência e de reconexão. Ao rir de si mesmos e da bizarrice do mundo ao redor, os personagens criam espaço para reconhecer suas dores. E, ao compartilhá-las — mesmo que em um podcast — descobrem que ser ouvido pode ser o primeiro passo para ser curado.
Justiça, mídia e os limites da verdade
Enquanto investigam os crimes, os protagonistas de Only Murders in the Building confrontam não apenas os segredos do Arconia, mas também os seus próprios. O desejo de encontrar o culpado se mistura à necessidade de autopromoção, levantando dilemas sobre ética, responsabilidade e sensacionalismo.
A série questiona os limites entre justiça e espetáculo, apontando para os riscos da popularização do “investigador amador” e para a fragilidade das narrativas que consumimos diariamente. Ainda assim, não assume tom moralista: prefere explorar as ambiguidades dessa busca por sentido em meio ao caos informativo, deixando espaço para reflexão sem perder o charme.
Estilo, carisma e originalidade
Visualmente encantadora, a série se destaca por sua paleta vintage, trilha sonora nostálgica e direção inventiva. Flashbacks teatrais, narrações subjetivas e episódios com estruturas diferenciadas transformam cada capítulo em uma pequena experiência estética. A elegância visual é acompanhada de roteiros bem construídos e atuações carismáticas, com destaque absoluto para a química improvável entre o trio principal.
Steve Martin e Martin Short entregam performances afiadas, com timing cômico impecável e camadas de humanidade. Selena Gomez, por sua vez, surpreende com uma interpretação contida e magnética, que oferece equilíbrio e profundidade à narrativa. Juntos, eles fazem de Only Murders in the Building uma comédia moderna, sofisticada e profundamente humana.
